quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Pedindo chuva, colhendo lágrimas

No inverno, ou seja, na estação seca, era comum na minha cidade as mulheres fazerem penitencia pra chover. Que consistia em carregar vasos de flores e folhas pequenas de coqueiros em jarros com água, até a igreja onde eram abençoados pela oração fervorosa das senhoras, incluindo minha mãe e minha vó Cecília...que saudade de minha vó Cecília!
Uma vez abençoados os ramos de flores e folhas, mergulhados nos vasos, estes eram levados em uma pequena procissão até o cemitério, que ficava no fim da rua. Uma vez lá, a água contida nos vasos juntamente com as plantas era vertida na cruz principal do cemitério. Velas eram acesas, e a cantoria se acentuava, pedindo chuva ao bom Deus. Esta penitencia se estendia até que a chuva finalmente viesse.
Sempre que me vem à lembrança, essas imagens estão em preto e branco, como se saídas de um filme antigo. Se fosse possível filmar estas cenas um dia. Talvez colorisse as pétalas das flores e só. Tudo mais era em preto e branco. Como se minha memória fosse daltônica.
A igreja de nossa cidade aos meus olhos, era um castelo a ser explorado, suas paredes eram pintadas de um azul muito claro, já bem desbotado. Na entrada havia uma espécie de varanda, sustentada por quatro enormes colunas lembrando um tempo grego. Acima da entrada ficava o coro, que era acessado por uma escada em curva muito bem construída, e uma vez lá em cima, haviam duas sacadas uma em cada lado da entrada. De onde se via a praça, a rua principal: a Marechal Rondon, a Avenida B, que descia reto da praça onde ficava a igreja até o cemitério.
Todas as vezes que minha mãe saia de casa pra ir fazer a penitencia, eu a acompanhava, o que sempre acontecia à tardinha, por volta das quatro da tarde. Muito mais pra subir correndo a escadaria da igreja e de lá ficar namorando minha cidade, do que propriamente por estar preocupado com a falta de chuva.
O ritual era sempre o mesmo, o grupo de mulheres, entrava na igreja entoando cânticos, e orações, e em seguida se postavam de joelhos, e as orações prosseguiam. Depois saiam e acendiam velas ao pé da cruz que ficava bem em frente à igreja. Enquanto isso, eu lá do alto do coro, debruçado no alambrado de cimento, me dedicava a observar um céu árido de nuvens, e a vida escorrendo devagar nas ruas empoeiradas e cinzentas da minha cidade.
Um certo, dia estava ali, debruçado na amurada da sacada da igreja, tentando enxergar além dos limites da minha miopia incipiente. Quando ao olhar para baixo, vi as mulheres da penitencia surgindo uma a uma, sob a sacada da igreja, numa lenta procissão o seu caminhar visto lá de cima tinha um efeito incrível aos meus olhos.
Aos poucos a procissão foi se distanciando, era muito bonita de se ver lá de cima, e foi se distanciando...foi quando me dei conta de que todos haviam saído da igreja. Desci correndo as escadas, e dei de cara com a porta principal da igreja fechada. Era uma porta enorme e pesada de madeira, que fiquei esmurrando, completamente apavorado gritei, nunca imaginei ficar preso sozinho, numa igreja com todos aqueles santos, que pareciam me olhar com cara de reprovação. E se minha mãe não se lembrasse de mim? E se tivesse que passar a noite preso ali? E se algum santo resolvesse descer do altar pra me assombrar? Já começara a chorar de pavor e angustia, quando me lembrei das portas laterais, corri em busca delas, uma estava entreaberta, mas poderia ser fechada a qualquer momento. Mas não hoje, hoje não! Com o coração saindo pela boca consegui atravessar os grossos umbrais da porta lateral, e enfim respirar aliviado.

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