quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Izabel e a lua de fel


As únicas prostitutas que conhecia, eram as que habitavam o universo de Jorge Amado e outros autores. Francesas, italianas e até mesmo caboclas. Mas sempre mostradas com muito glamour, classe e um pouco de romantismo. Nunca tinha tido um contato imediato, quanto mais demorado com uma dessas moças.
O mais perto que tinha estado de uma delas, foi no “banho”, que era uma curva do rio Molha Biscoito, onde a meninada ficava à tarde, fingindo estar pescando, pra ver na outra margem, as moças da zona se banharem nuas, fazendo de conta que não viam os garotos. Estive nesse lugar uma vez, mas não tive sorte, a única moça que apareceu pra se banhar nas afortunadas águas do Molha Biscoito, foi a Lurdinha. Alem de não bater bem da cachola, também não era das mais bonitas. Ela chegou toda faceira, ignorando completamente o bando de garotos acocorados na outra margem do córrego. Se despiu rapidamente, deixando ver uma silueta opulenta, seios fartos e empinados, ancas enormes e gordas, cheias de dobras, era jovem ainda. A meninada nem piscava os olhos. Mas o show durou poucos segundos, Lurdinha mergulhou o corpo claro, nas águas frias do córrego, depois se ergueu, ensaboou o corpo, mergulhou novamente, pra enxaguar o corpo e saiu se cobrindo com uma toalha. Eu acabara de ver pela primeira vez um corpo nu de mulher.
Conhecia Izabel de vista, quem não a conhecia? Estava sempre presente na missa de domingo, , os cabelos negros bem longos, estavam sempre presos em um rabo de cavalo. Com seu véu negro rendado,emoldurando seu grandes olhos, quase sempre cerrados durante as orações,os lábios grossos bem desenhados cantando baixinho, como se temesse fazer-se ouvir, em meio a toda a gente. Mas nunca soube de alguém que tivesse questionado sua presença na igreja, ou nas procissões da semana santa.
Quando Denide me disse que eu ia perder minha virgindade com a izabel, achei que ele só podia estar curtindo com minha cara. Mesmo sabendo que ela era prostituta, não conseguia me imaginar na cama fazendo aquelas coisas com uma mulher que era tão religiosa. Mas ele me garantiu que ela era a melhor escolha em casos como o meu, ou seja era um tipo de especialista em tirar a virgindade de garotos tímidos, era perfeita!
Eu nem sabia direito se queria mesmo isso. Mas não ia recuar de jeito nenhum, era questão de honra, e ainda tinha de ficar grato, pelo fato do Denide não contar pra ninguém que eu, aos 13 anos ainda era virgem! E a depender de minha própria iniciativa, ia permanecer nessa condição, por mais alguns anos. O Denide ia intermediar tudo com a própria Izabel.
A noite estava quente, descíamos a rua B devagar, Denide falava sem parar, discorrendo sobre como eu ia gostar da Izabel, e eu meio incrédulo ainda, com toda aquela situação, só fazia assentir com a cabeça a cada coisa que ele dizia. Estávamos chegando na rua do cabaré, que era como chamávamos a zona, que era uma rua inteira. Íamos mais cedo pra evitar a presença dos mais velhos. Já dava pra ouvir as músicas sertanejas tocando nas casas a todo volume, músicas tristes que falavam de amores não correspondidos, traições e tragédias de toda sorte, o que angustiava ainda mais meu coração. Eu não ia saber fazer nada direito, eu não ia fazer nada! Essa mulher ia zombar de mim, se não me botasse pra correr, ou pra rezar um terço de joelhos pra deixar de ser abusado. Não entrava na minha cabeça que a Izabel fosse mesmo uma puta. Agora estávamos na porta da casa de Izabel, não dava mais pra voltar atrás.
Era uma espécie de sala, com uma luz muito fraca, duas mesas de bar, onde duas garotas se sentavam, uma outra estava recostada num balcão, com um olhar melancólico. Na outra mesa estava Izabel, olhos semicerrados, lábios vermelhos, mãos fechadas em torno de um copo de bebida.
- Espera aqui. – disse meu amigo batendo de leve o meu ombro. – Eu vou lá falar com ela – e entrou na sala com ares de pessoa habituada aquele lugar.
Eu não conseguia desgrudar os olhos daquela mulher. Fiquei ali olhando Denide se aproximar dela, se inclinando pra lhe falar ao ouvido, ela olhou longamente pra fora fixando o olhar em mim, e abrindo um largo sorriso. Tremi dos pés a cabeça.
- vai lá, ela ta te esperando! – disse Denide quando voltou.
- agora? – perguntei ainda indeciso.
- claro que é agora! – retrucou ele – vai esperar isso aqui se encher de gente?
Respirei fundo, e entrei, estava sendo mais difícil que tinha imaginado. Me aproximei da mesa onde estava a Izabel, que me esperava com um sorriso malicioso.
- senta aqui moço! – me disse estendendo a mão, o perfume dela estava em toda a parte. Me sentei muito encabulado, os olhares de todas as outras moças, estava em mim. Eu não ia abrir a boca de jeito nenhum! Izabel pegou minha mão e passou por sobre seus ombros, colocando minha mão na altura de seu seio direito, então senti a presença de um objeto de madeira dentro do seu sutiã.
- que é isso? – consegui baulbuciar baixinho.
- é uma faca! – respondeu ela calmamente.
- pra que? – perguntei ainda mais assustado.
- é que tem um cara ai, que disse que vem aqui hoje me bater, e eu to esperando ele vir me bater. – disse ela ainda mais calma.
- vamos fazer nenê? – disse antes que eu me recuperasse do susto. Nos levantamos da mesa, ela segurou minha mão, e sob os olhares irônicos das outras moças, saímos por uma porta que ficava atrás do balcão. Havia um quintal escuro e lá no fundo alguns quartos pequenos. Entramos num desses quartos, onde não havia luz elétrica. Ela acendeu uma lamparina, que colocou com cuidado sobre uma espécie de penteadeira, onde haviam imagens de santos, fotos de cantores, uma bacia branca esmaltada pequena. Estava eu ali olhando o ambiente, quando ela me perguntou:
- não vai tirar a roupa moço?
Comecei a desabotoar a camisa, e antes que eu terminasse com meus botões, ela já havia se livrado de todas as suas roupas, que eram uma saia e uma blusa, além da roupa de baixo. Enquanto continuava minha tarefa de tirar o resto de minha roupa, ela colocou água de uma jarra na pequena bacia, se acocorou sobre ela, e se lavou, me olhando o tempo todo, um tanto curiosa, um tanto impaciente. Fiquei imaginando quantos garotos ela já tinha iniciado ali naquele quartinho nada romântico. Terminado o banho íntimo, ela se enxugou, e se sentou na cama ao meu lado, me puxando pra cima dela, nesse momento ela parecia ter dobrado de tamanho. Não houve beijo nem caricia alguma, mal ela começou a mexer os quadris, eu havia terminado. Daí pra frente, queria sair dali o mais depressa que pudesse.
- e ai? Como é que foi? – perguntou Denide, quando já estávamos subindo a avenida B. de volta pra casa.
- uai, - disse eu fazendo ar de quem sabia das coisas – foi muito bom, ela me adorou! Acho que da próxima vez ela nem vai me cobrar!
A gargalhada do Denide podia ser ouvida lá na praça, mas ele não quis me contrariar. Enquanto subíamos a rua, ouvindo ainda as músicas sertanejas, eu ruminava a experiência que acabara de viver. Ia levar muitos anos até juntar sexo a amor novamente, como sempre tinha sido na minha mente. E nunca mais ia conseguir ouvir musica sertaneja, sem me lembrar daquelas moças.

Pedindo chuva, colhendo lágrimas

No inverno, ou seja, na estação seca, era comum na minha cidade as mulheres fazerem penitencia pra chover. Que consistia em carregar vasos de flores e folhas pequenas de coqueiros em jarros com água, até a igreja onde eram abençoados pela oração fervorosa das senhoras, incluindo minha mãe e minha vó Cecília...que saudade de minha vó Cecília!
Uma vez abençoados os ramos de flores e folhas, mergulhados nos vasos, estes eram levados em uma pequena procissão até o cemitério, que ficava no fim da rua. Uma vez lá, a água contida nos vasos juntamente com as plantas era vertida na cruz principal do cemitério. Velas eram acesas, e a cantoria se acentuava, pedindo chuva ao bom Deus. Esta penitencia se estendia até que a chuva finalmente viesse.
Sempre que me vem à lembrança, essas imagens estão em preto e branco, como se saídas de um filme antigo. Se fosse possível filmar estas cenas um dia. Talvez colorisse as pétalas das flores e só. Tudo mais era em preto e branco. Como se minha memória fosse daltônica.
A igreja de nossa cidade aos meus olhos, era um castelo a ser explorado, suas paredes eram pintadas de um azul muito claro, já bem desbotado. Na entrada havia uma espécie de varanda, sustentada por quatro enormes colunas lembrando um tempo grego. Acima da entrada ficava o coro, que era acessado por uma escada em curva muito bem construída, e uma vez lá em cima, haviam duas sacadas uma em cada lado da entrada. De onde se via a praça, a rua principal: a Marechal Rondon, a Avenida B, que descia reto da praça onde ficava a igreja até o cemitério.
Todas as vezes que minha mãe saia de casa pra ir fazer a penitencia, eu a acompanhava, o que sempre acontecia à tardinha, por volta das quatro da tarde. Muito mais pra subir correndo a escadaria da igreja e de lá ficar namorando minha cidade, do que propriamente por estar preocupado com a falta de chuva.
O ritual era sempre o mesmo, o grupo de mulheres, entrava na igreja entoando cânticos, e orações, e em seguida se postavam de joelhos, e as orações prosseguiam. Depois saiam e acendiam velas ao pé da cruz que ficava bem em frente à igreja. Enquanto isso, eu lá do alto do coro, debruçado no alambrado de cimento, me dedicava a observar um céu árido de nuvens, e a vida escorrendo devagar nas ruas empoeiradas e cinzentas da minha cidade.
Um certo, dia estava ali, debruçado na amurada da sacada da igreja, tentando enxergar além dos limites da minha miopia incipiente. Quando ao olhar para baixo, vi as mulheres da penitencia surgindo uma a uma, sob a sacada da igreja, numa lenta procissão o seu caminhar visto lá de cima tinha um efeito incrível aos meus olhos.
Aos poucos a procissão foi se distanciando, era muito bonita de se ver lá de cima, e foi se distanciando...foi quando me dei conta de que todos haviam saído da igreja. Desci correndo as escadas, e dei de cara com a porta principal da igreja fechada. Era uma porta enorme e pesada de madeira, que fiquei esmurrando, completamente apavorado gritei, nunca imaginei ficar preso sozinho, numa igreja com todos aqueles santos, que pareciam me olhar com cara de reprovação. E se minha mãe não se lembrasse de mim? E se tivesse que passar a noite preso ali? E se algum santo resolvesse descer do altar pra me assombrar? Já começara a chorar de pavor e angustia, quando me lembrei das portas laterais, corri em busca delas, uma estava entreaberta, mas poderia ser fechada a qualquer momento. Mas não hoje, hoje não! Com o coração saindo pela boca consegui atravessar os grossos umbrais da porta lateral, e enfim respirar aliviado.