quarta-feira, 28 de abril de 2010

Berenice


A primeira vez que vi Berenice, foi antes da sineta tocar anunciando o inicio da aula. O cabelo castanho muito liso, cortado rente bem acima do ombro, com uma franja que emoldurava o rosto branco coberto de sardas. Como era aluna nova, ao invés do tradicional uniforme saia azul marinho e blusa branca com o distintivo do colégio, e uma gravatinha azul com umas listras que indicavam a série, ela usava um vestido branco estampado com motivos florais pequenininhos de várias cores, e uma sandália de couro branca. Não pude deixar de olhar, nunca antes tinha olhado assim pra uma menina, menina pra mim até aquele dia só servia pra ter os cabelos puxados, e os objetos escolares escondidos, pro deleite dos meninos. Mas alguma coisa aconteceu quando vi Berenice. Como eu me sentava sozinho na minha carteira, e eram carteiras onde se sentavam dois alunos. A professora colocou Berenice pra se sentar comigo, o que foi motivo de muita risada por parte dos meus colegas de traquinagens. Mas estranhamente isso não me afetou muito, era a primeira pessoa vinda de uma cidade grande que eu conhecia. E eu estava gostando daquilo não só pela novidade, a pele branca e as sardas, eu só tinha visto no cinema, e o modo de falar dela toda educada, cheia de “por favores”, “com licenças” e “desculpes” não eram expressões comuns nas meninas que conhecia e com quem só queria brigar. A partir daí eu vivia uma situação incômoda de ser amigo de uma menina, o que era constrangedor do ponto de vista dos meninos. Mas a aquela altura eu não parecia me importar muito.
Um belo dia à tarde eu estava em casa com os dedos e a cara toda lambuzados de comer jaca, que alguém tinha trazido, quando Berenice chega sem avisar. Disse que tinha ido me pedir um caderno emprestado pra por a matéria em dia, eu mal consegui falar, com a boca pregando com a cola da jaca. Nossa amizade acabou virando mesmo só amizade. No final do ano Berenice voltou pra cidade grande. E eu voltei a ser o mesmo moleque de sempre.

A Velha Pic Up

O barulho repetitivo do limpador de para brisas, é a única música que ouço com exceção do ronco quase inaudível do motor do carro. A chuva que cai é leve e rala, mas já obriga a tomar mais cuidado com a estrada. Mais alguns minutos e chego ao frigorífico, são 03:25 h da manhã, vai demorar muito pro sol nascer. Em momentos assim as únicas companhias são os meus pensamentos, lembranças, sonhos, coisas comuns em quem acabou de se levantar da cama, e ainda tem sono pra mais umas quatro ou 5 horas!
Sempre tomo umas duas xícaras grandes de café, daquelas de chá, com duas fatias de pão integral recheado com queijo branco ou mussarela. Muito mais pra ficar acordado do que por fome, não dá pra sentir fome numa hora em que só se quer dormir mais um pouco e por horas.
Termino o meu café da madrugada, lavo a xícara, sempre lavo as coisas assim que acabo de usar, é deprimente entrar na cozinha e ver a pia cheia de louças sujas. Apago a luz da cozinha, fecho a porta e dou uma boa olhada pro céu, é um passatempo característico de notívagos imagino eu, olhar pro céu a noite, no meu caso específico, é pra procurar a lua, a posição dela sempre me dá uma noção das horas. Mas é claro que sei que horas são, porém é que a cada noite a lua ta com uma cara diferente.
Hoje é dia de pouco trabalho no frigorífico, só abateram 52 cabeças. Volto pra casa, e uma música não sai da minha cabeça, “i can’t get no... satifaction...” é uma música bem antiga dos Stones. A primeira vez que a ouvi eu devia ter uns nove ou 10 anos no máximo, nessa idade nunca temos muita noção da passagem do tempo. Eu ouvi essa canção no rádio, muitas vezes, porque nessa época, na minha cidade, era só o que tínhamos de contato com o mundo. O bom e velho rádio. Não havia tv, nem revistas muito menos banca de revistas, só o rádio. Havia o Cine Sta Lúcia, com bancos compridos de madeira iguais aos bancos de igreja, que exibia filmes na sexta, sábado e domingo quando sempre tinha matinê, foi lá que eu vi: Ben Hur, Robim Hood, Carmem, todos os filmes contando a história de Cristo, O gordo e o magro, O ladrão de Bagdá e centenas de outros filmes que nunca vou esquecer. E ai era “um tal” de a meninada sair pelas ruas que nem eram asfaltadas, brincado de acordo com o filme exibido no fim de semana, podia ser um bang bang com índios apaches ferozes, podia ser um capa e espada com piratas ou de Hércules e assim por diante.
Me lembro mais dos dias chuvosos, não sei porque, mas são as melhores lembranças da minha infância, talvez porque os dias chuvosos têm cheiro. Sempre achei bonito o céu nublado e carregado de nuvens escuras prontas pra inundar as ruas formando enxurradas que aproveitávamos pra usar como rios caudalosos pros nossos barquinhos de papel que fazíamos com folhas de cadernos das aulas de matemática era a ciência virando poesia... E lá ia rua abaixo acompanhado o naufrágio iminente dos barquinhos de papel, apostando em qual ia afundar primeiro. Os pés descalços cheios de lama e alegria.
Hoje sei que a nossa casa não era tão grande assim, mas naquela época eu a achava enorme, era um castelo seguro intransponível muito bem guardado pelo nosso cão pastor que por falta de acertar um nome mais digno acabou sendo chamado de Tiu que é o mesmo que chamar um menino de garoto. Apesar do portão fechado ele saia pra rua quando bem entendia, pulando o muro, e dando o seu passeio na rua, ou quando pulava na carroceria da camionete do meu pai e ia pra fazenda com ele. Não havia quem o tirasse de lá.
Era costume nessa época a prefeitura envenenar os cães vadios, como forma de diminuir a população. E foi numa dessas incursões que o Tiu acabou morrendo envenenado. Foi o meu primeiro contato com a morte.
Um dia meu pai apareceu com uma novidade: uma radiola, que era uma espécie de móvel com pezinhos bem finos, e revestida de madeira envernizada. Tinha rádio e toca discos. Onde se podia colocar vários discos empilhados, toda automática. Pra mim foi paixão à primeira vista, poder ouvir música sem o chiado do rádio. Junto com ela meu pai comprou um monte de discos, todos de música caipira, coisas como, Pedro Bento e Zé da Estrada, Zillo e Zallo, Caçula e Marinheiro, e muitos outros, eram uns dez discos mais ou menos, e a família toda passava muito tempo ali de frente pra radiola que ocupava um canto inteiro da sala, tocando músicas que eu acabava decorando a letra e cantando junto baixinho. Rock mesmo só fui conhecer muito tempo depois, quando meu irmão mais velho foi pra Goiânia fazer o segundo grau que não existia na nossa cidade. Nas férias ele veio trazendo uma radiola portátil que chamavam de pic up, achei o nome interessantíssimo. Junto com a tal da pic up ele trouxe dois lp’s que marcaram a minha passagem da infância pra adolescência, o Rubber Soul dos Beatles e a trilha sonora do filme “A primeira noite de um homem” que era toda de Simon e Garfunkel, havia também um compacto dos Beatles, com duas músicas de cada lado, embora tenha ouvido durante muito tempo música caipira, na radiolona nave-mãe da sala, a minha identificação com a sonoridade e melodia dos Beatles foi uma coisa instantânea, como eu ouvia esse disco! Às vezes fazíamos pic nic com a turma do colégio em alguma fazenda, de preferência com represa pra turma nadar a vontade, eu sempre levava a pic up que acabei herdando de meu irmão não me lembro bem como. O problema era comprar pilhas pra ela, eram oito pilhas grandes, e isso na época custava caro pra um garoto como eu, que já amava os Beatles e sempre cantarolava uma canção dos Roling Stones. O grande problema de levar a pic up pros pic nics é que a maioria do pessoal embora achasse bacana a pic up, não queria muito ouvir os Beatles. Então eu me sentava à sombra de alguma árvore sozinho, (nunca gostei muito de nadar mesmo) e ficava ali esculpindo nuvens e ouvindo Beatles, virava o disco e depois ouvia de novo, até a hora de ir embora, nessa época não tinha grandes amigos, só alguns poucos colegas de sala, que mais me aborreciam do que qualquer outra coisa.

terça-feira, 27 de abril de 2010

A mulher que amo

atrás do óculos de professora
está a mulher que amo
a pele branca da mulher que amo
sabe o tamanho do meu beijo
o cheiro da mulher que amo
chove na minha saudade
a mulher que eu amo tanto
tem os olhos molhados de rir
a mulher de pele branca
tem todos os meus desejos
no seu olhar molhado
a mulher que amo
sabe de todos os meus medos
de todos os meus anseios
a mulher que amo
molha minha coxa com seu gozo
a mulher que amo
tem o sorriso mais lindo que já vi
a mulher que amo
transborda meu desejo
e me afoga de felicidade.